segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Fantasia


Gosto de me sentir como um ninho, de me sentir disputada pelos pequenos seres que buscam um lugar confortável próximo de mim.
Gosto de entrar nas tempestades pilotando um foguete, de matar baratas desenhadas em papel e de me sentir forte, tendo a certeza que se eu tirar minha mão daquela posição, aquele pequeno corpo vai cair.
Gosto de explicar porque balão com gás hélio vai dormir no teto e acorda no chão, de mostrar que não pode puxar o brinco de ninguém porque vai doer e de fazer uma cabana com os cobertores, mesmo sabendo que dois minutos depois eles já terão desfeito toda a minha arquitetura.
Gosto de escovar os pequenos dentes, ou ainda as gengivas, insistindo que eles abram a boca porque aquilo é importante. De contar a história dos porquinhos cinco vezes seguidas, alternando para todos construírem uma casa de tijolo. Gosto de ouvir, por cerca de oito minutos, uma conversa cheia de fantasia e super poderes, cada um mais singelo que o outro.
Gosto de ensinar que r+a forma “ra” e não “la”, de ouvi-los pedindo água toda noite e de gritar de dor ao ser vacinada, na canela, por uma médica que encontrou uma seringa dentro do baldinho no armário.
Gosto de trocar os calçados (o pé direito sempre aparece com a sandália do pé esquerdo), de explicar o motivo da Branca de Neve não ser uma anã e de esquentar o suco no microondas porque hoje ele estava com dor de garganta.
Mas no fundo, gosto mesmo é de sentir todas as noites o meu corpo inteiro ser dominado por uma mão (que possui um terço do tamanho da minha) ao segurar fortemente meu dedo indicador e não largar por nada, até conseguir dormir.

Mariana Andrade

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Por onde andei

Ela nunca sabia que tipo de sentimento o seu coração guardava nas noites frias.
Saiu para olhar a cidade em busca de algo que respondesse alguns dos seus questionamentos internos, mas isso não aconteceu.
Por que por mais que a gente procure nada consegue explicar um sentimento que paira em silêncio?
O vento frio que entrava pelo casaco fez com que ela puxasse a blusa vermelha que estava dobrada por baixo, a fim de cobrir toda a extensão do seu braço.
Sentou na praça. Gostava daquele banco e gostava do vento que vinha do sudeste.
Reparou que numa esquina um pouco distante brilhavam luzes neon. Admirada, apertou os olhos já cansados do dia para entender o que dizia o letreiro.
“Música ao vivo.”
Música ao vivo? Como nunca tinha visto aquilo? Passava por ali mais de uma vez por dia! Como nunca reparara no pequeno estabelecimento?
Será que a porta estava aberta? Ela estava longe e não conseguia enxergar muito bem.
Precisava de algum sinal porque a distância era grande.
Deveria esperar ali, quieta, para ver se alguém entrava?
Quem sabe seguir sua intuição e se aproximar...
Talvez pudesse até mesmo reparar em tudo o que existe ali, dentro dele, mas será que ele estava aberto?
                                                                                              Ainda estava falando do estabelecimento?


Mariana Andrade