Ela
nunca gostou de ir para aquele lugar à noite. Não sabia o motivo, mas sabia que
aquilo não combinava com ela. Era gente demais, barulho demais, efusividade
demais e simplicidade de menos. Era scarpin e perfume francês em todos os
corredores, enquanto ela caminhava com o seu all star surrado como um ser de outro mundo... e nem ligava. Mas tinha alguém que salvava àquelas noites. Sim,
tinha. Há cinco anos ele estava lá. Há cinco anos! Quando ela lembrava esse
tempo todo, se envergonhava por nunca ter perguntado o nome dele, mas ele nunca
perguntou o meu também, então tudo bem. Ele foi um dos poucos que conseguiu
tirar tantos sorrisos sinceros das noites que ela abominava. Quando
identificava aquele carro preto fazia logo questão de ficar no meio da passagem,
obrigando-a a parar. E ela já começava a rir dali. Impossível não demonstrar
essa reação ao vê-lo me esperando. Quando ela parava e baixava o vidro, ele, na
simplicidade que combinava enormemente com a dela, já colocava a mão dentro do
carro e dizia seu singelo: oi, amorzinha! Sim, amorzinha, com a no final. Ela
ria antes mesmo de colocar a mão sobre a dele, quantas vezes... E era tão
sincero. A mão gelada das noites na serra, meio ressecadas de uma provável
infância humilde. Ela nunca hesitou, sempre parou e apertou firmemente a mão dele,
sorrindo e perguntando como ele estava. A resposta sempre variava entre duas
frases. Algumas noites ele respondia um desiludido “vou levando, né?”. Outras
noites, dizia “só em ver você já ficou tudo bem!”. E ela ria sem jeito,
enquanto alguns carros apressados davam sinal de luz pedindo pra ela sair da
frente. Nunca ficou uma noite sem ouvir um “Vai com Deus, minha linda”. E isso
a salvava. Isso a tranquilizava. Isso a protegia. Saía sempre rindo
e pensando, quantas pessoas se fecham nos seus vidros fumês e pisam fundo no
acelerador, com sua Carmem Steffens, fingindo que ali não tem ninguém. Quantas? É bom parecer invisível sempre? É bom nunca ser notado? É bom ser tratado com indiferença? Por ela
não, por ela ele sempre esteve à vista. Por ela teriam mais dele ali, capazes de
dar um pouco mais de esperança àquela que sempre saía chateada e se
questionando mil coisas sobre mil valores diferentes. Ele era um dos poucos que fazia a diferença no
meio daquelas três mil pessoas. Sim, dele ela sente muita falta.
"De nada adianta fazer yoga
e não cumprimentar o seu porteiro"